Um fotógrafo na contra-mão do imediatismo
No Recife para participar de debates, Anderson Schneider acredita que é preciso ter o tempo certo para a captar a essência de humana Eugênia Bezerra ebezerra@jc.com.br Em um garimpo na Amazônia, em leprosários pelo Brasil, no Iraque pós-guerra, ou mesmo em Brasília, cidade onde vive atualmente. Os ensaios do fotógrafo paraense Anderson Schneider, além de trazerem belas e tocantes imagens, caminham em uma direção distinta a do imediatismo que pressiona boa parte da produção fotojornalística atual. Schneider participa de dois eventos promovidos hoje pelo fotógrafo deste JC, Alexandre Belém, para celebrar os dois anos do blog Olhavê (www.olhave.com.br), criado por ele. Às 11 horas, na Faculdades Integradas Barros Melo – Aeso, em Olinda, Schneider fala sobre sua experiência aos alunos do Bacharelado em Fotografia. Às 18h30, na Livraria Cultura (Paço Alfândega), será entrevistado por Belém e pela antropóloga Georgia Quintas numa espécie de versão ao vivo de uma das seções do Olhavê (Entrevistando). Apesar de reconhecer a importância de saber dos acontecimentos com rapidez, o fotógrafo ressalta a sua vontade de contar histórias com mais profundidade (e de ter acesso a histórias contadas desta maneira). Para ele, a busca cada vez mais veloz pela informação está tendo um impacto “enorme e terrível” sobre o trabalho do fotógrafo. “Acaba refletindo a grande crise na qual a indústria editorial está submergindo”, diz. “As coisas caem na rede quase que instantaneamente. Isto é legal, mas existe um outro lado da fotografia que não é dito. Sessenta fotos do último segundo não fazem a foto do minuto. Está se perdendo a noção da big picture”, avalia. Esta rapidez no consumo e produção prejudica a diversidade das imagens. “Pegue o último conflito do Iraque, o número de imagens que ele vem gerando é gigantesco se comparado ao do Vietnã, que é uma guerra com mais ou menos o mesmo porte. Mas se procurar por diversidade, arrisco dizer que o Vietnã, apesar do número reduzido de fotos, produziu um panorama mais complexo do que foi o conflito. Claro que isso é fruto de uma série de coisas, mas também da necessidade de rapidez”. Schneider formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (UnB) e foi em uma disciplina neste período que conheceu a fotografia. Ao sair da faculdade, ao invés de buscar trabalho em escritórios de arquitetura, foi aos jornais. Passou cerca de três anos no Correio Braziliense e mais três na Istoé. Depois começou a trabalhar de maneira independente. Os ensaios dele já participaram de mostras e festivais no Brasil e em outros países. Schneider foi três vezes finalista do W. Eugene Smith Grant (EUA) e em 2009 passou a integrar a Coleção Pirelli/Masp de Fotografia. Um de seus trabalhos, Invisíveis, começou em 2005 e foi desenvolvido por seis Estados. “Estava fazendo outro trabalho em São Paulo e uma jornalista de lá que era engajada com esse assunto da hanseníase me perguntou o que eu sabia sobre esta doença no Distrito Federal. Fiquei bobo de saber que em pleno século 21, há tantas pessoas com a doença abandonadas pela sociedade. A maioria já morreu, mas há outros com 70 e 80 anos que ainda lutam por um direito básico à identidade, a humanidade. É um papel meu como fotógrafo, jornalista, qualquer coisa. Não consigo ficar indiferente”, diz. Em 2007, a partir de uma matéria sobre o garimpo na Amazônia, teve a ideia para o ensaio Eldorado. “Quatro ou cinco meses depois, minha pergunta era: o que aconteceu, todo mundo ficou rico? Claro que não. Obviamente pouca gente ficou rica e eu fui buscar o que aconteceu com os que não ficaram ricos”, lembra. Em 2008, ganhou a Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Artística com o projeto Brasília concreta, a ser apresentado em 2010. “Diferente de outras cidades, (Brasília) não é espontânea. Foi um traço, um desenho designado para ser uma cidade. 50 anos depois, o que a realidade devolve para a cidade?”. É o que tenta explicar no ensaio. E como ele avalia o fotojornalismo brasileiro produzido atualmente?. “É sempre difícil e ruim fazer essas generalizações porque coisas boas acabam passando ao largo. Acho o uso da foto no jornalismo bastante pobre. De maneira alguma por conta do fotógrafo, mas por causa do jornalismo feito no Brasil hoje. A fotografia via de regra serve pra ilustrar o texto, tem todo um vetor da foto como informação que é descartada. São raros os veículos em que a fotografia é usada com todo o potencial. Mas há belíssimas excessões a essa regra”. Embora o acesso ao que é produzido no fotojornalismo brasileiro seja pequeno, e por isso mesmo injusto fazer uma lista de bons trabalhos, Schneider citou alguns que chamaram a atenção ultimamente, como o de Daniel Kfouri sobre futebol. De Pernambuco, lembrou dos especiais Vidas invisíveis, de Renato Spencer, Marcos Michael e Rodrigo Lobo, Geografia da fome, de Arnaldo Carvalho, todos deste JC, e Hanseníase, de Alcione Ferreira, do Diario de Pernambuco.